quinta-feira, 22 de abril de 2010

A espuma dos dias


Que profundidade tem a nossa vida? Ancoramos as nossas decisões no aprumo da verticalidade ou pelo contrário roçamos a superfície da vanglória? Será que somos feitos de substância ou somos apenas embrulhos luzidios? Quantas palavras que valham a pena dizemos nós durante um dia inteiro?
O que é que nós percebemos desta coisa intrincada que é a vida, para podermos andar com a boca cheia de verdades absolutas, debitando conclusões, pondo pontos finais? Já medimos os nossos horizontes? Vão eles para além do voo de um pardal tenro? Que viagens já fizemos para perceber o outro lado, o reverso, o inverso? O que trazemos das viagens? Bugigangas? Um bronzeado? Chega-nos o quintal onde plantamos o cinismo? Achamos que somos o centro do mundo? Que temos sangue azul? Que somos iluminados, dinásticos, inquestionáveis? Que os outros são feitos de trapos? Os outros só servem para satisfazer os nossos egoísmos? Os outros são escadas, atalhos, ocasiões, oportunidades, saldos? Serão empecilhos se tiverem uma opinião diferente? Serão incapazes se não nos derem primazia?
Quantos dos livros que já lemos serviram de alguma coisa, o que é que aprendemos com eles? Aprendemos o quê nos livros incontornáveis? O nome das personagens, o título, o autor? Ou conseguimos através deles chegar à essência que nos mudou para melhor?
Quantas vezes mergulhamos nós na obscuridade do nosso ser para tentarmos perceber o que somos, de que somos feitos? Quantas vezes aceitamos os nossos fantasmas, as nossas fraquezas, as nossas contradições? Quantas vezes somos sinceros quando à noite pomos a consciência nos nossos colos cansados? Quantas vezes nos olhámos ao espelho e nos chamámos de patéticos? Será que não há um dia em que, finalmente, assumamos a nossa condição de quebrantáveis? Será que não há um dia em que, finalmente, deixemos de julgar as acções dos outros à luz da nossa mesquinhez?
Durante dias, anos, andamos armados em espertos a distribuir poses, a conspirar, a gastar rios de palavras. Levamos uma vida a fio a olhar para o umbigo e estupidamente pensamos que estamos a fazer alguma coisa de jeito. Vivemos à superfície. O que dizemos são salpicos, farrapos sem importância nenhuma.
Emproados, vamos apenas existindo na espuma dos dias.
A memória colectiva não se lembrará de nós. Nada fizemos por isso.
Texto publicado no jornal CorreioAlentejo

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O silêncio é a espuma do grito.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Fazer de conta

Faço de conta que esta folha é um céu de papel e eu uma ave pequena, de asas tenras, à procura do mecanismo das palavras e do vento.
Preparo-me à beira da folha como o pássaro se acerca do beiral do telhado: com sintomas de abismo. Os dois, eu e ele, em ensaios de vertigem e abismo, atiramo-nos. O pássaro todo. Eu apenas o sonho de voar. O pássaro suplanta o vazio, beija o firmamento com o seu bico amarelo e com o seu corpo alado faz desenhos formidáveis na abóbada celeste.
Eu caio logo a pique, quanto muito escrevo um poema na terra, porque não passo de um insignificante Ícaro de papel.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

- A hora muda esta noite.

- E nós, meu amor, em que noite mudamos nós?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

De noite todos os amores são parvos.