terça-feira, 23 de novembro de 2010
Maçã de Adão
É ela que descasca a pele da inocência.
Na aula de Ciências Naturais,
no desenvolvimento do sumário sobre o sistema reprodutor,
a professora não lhe disse que uma noite
o escuro do quarto começaria a arder
lentamente
e depois, num incontrolável
incêndio de flanela
e posters,
iria ficar inteiro
nas suas mãos.
E foi ele,
sozinho,
com o coração
a subir e a descer
as escadas do peito,
de olhos boquiabertos,
a boca ímpia,
não contendo um braço,
esticando as pernas
como cordas de violino,
foi ele, tonto,
que descobriu que
das mãos inquietas daquele fogo
jorra uma água densa aos gritos.
( Continua)
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
terça-feira, 26 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Vinho
As raízes do vinhedo agarram-se à nossa alma de xisto, granito e calcário e do nada, da poda, do ventre de um esqueleto castanho nascem folhas que se vão, lambidas pelo sol, inebriando de verde.
E depois, lentamente, as uvas irrompem, iluminam-se e ganham forma de mulheres redondas. São mulheres tintas e mulheres brancas aos cachos enfeitando a planura.
Para as uvas ficarem mais doces, um silêncio de açúcar percorre a vinha toda.
E da secura dos torrões e do azul do céu aparecem bichos e pássaros à procura de um qualquer bago maduro.
Os homens querem que o Verão se despache. Querem que a insolação termine e a vindima chegue, querem que o imemorial ritual comece e que as uvas atinjam a maturação e derramem por fim a sua essência, pois o vinho é o sangue da terra a correr nas veias dos homens.
Quem faz vinho é um alquimista de sentidos. Quem faz vinho liquidifica o prazer.
Dentro de um copo está o Alentejo todo: a história das gentes, a identidade de uma região, as tabernas, o sol teimoso, a lonjura, montados, cortiça, botas cardadas, noites perdidas, modas, restolho, cal.
O vinho tem palavras frutadas dentro dele. São adjectivos superlativos de superioridade, são verbos de tentação, substantivos brancos, exclamações tintas. O vinho é um diálogo entre um homem e a sua raiz.
Quem nunca pisou uma vinha e nunca entrou numa adega está incompleto. Falta-lhe ir a montante da seiva, perceber a complexidade, deixar entranhar o perfume, absorver o percurso todo.
Uma garrafa de vinho tem corpo de mulher. Observar a forma, passar os dedos pelo vidro, recitar o rótulo, sacar a rolha, encher o copo, são os preliminares de um absoluto contentamento gustativo.
O vinho gosta de queijo de Serpa, de casqueiro, cabeças de borrego, jantares de grão, migas, linguiça assada e sopas de tomate. Às vezes, o vinho é servido em copos grossos, encosta-se aos balcões e canta a despique, faz quadras, discute o destino. Outras vezes, deitado em copos de pé alto, o vinho é mais intelectual, lê livros, discute filosofia.
Mas em ambos os casos é capaz de falar noites inteiras porque as bocas estão felizes.
Um jantar sem vinho é um jantar oco, uma mesa despida, um monólogo de dentes.
O vinho é coisa principal, pois ele é um rio a correr alegremente entre as margens de uma açorda de coentros.
Publicado no Jornal CorreioAlentejo
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Setembro
terça-feira, 10 de agosto de 2010
A ternura dos quarenta
cruzadas que se cruzam na vida
e delas não se encontra o significado
absoluto, apenas sinónimos incapazes de
pôr um ponto final
na indefinição,
é uma gata a dormitar
nos joelhos quebrados,
é um copo de vinho vazio a
enfiar uma rolha nas pálpebras,
é um fogo a arder devagarinho
até que a cinza dê por finda a noite.
O corpo é uma jangada de ossos
que o trouxe até aqui.
O caminho foi como foi.
A viagem foi coisa que ele não comandou,
mas nunca aceitou que a razão
fosse uma âncora que parasse o coração.
Agora atracou em segurança.
Mas se os pássaros que regressam
o levassem de volta, ele ia à procura do princípio
e levaria as algibeiras da alma cheias de desejo
para dar de comer às pombas
que se recusaram a poisar nas suas mãos
vazias de milho.
A hipófise já não é uma hipótese,
é apenas uma cigarra muda.
As hormonas são formigas sem fome
que perderam o carreiro e morrem antes de chegar ao umbigo.
O tempo útil de emoções foi tão curto.
Perderam-se horas
e dias
e anos matutando, matutando,
os egoísmos silvando na noite como cobras frias,
esperando que a mão do outro
viesse,
com dedos de sol,
enxugar a tristeza do rosto,
esperando que os braços do outro
fossem uma ponte
estendida
entre as almofadas
para não morrerem afogados
na fundura do quarto.
E entretanto a traça da idade veio
e roeu as golas do ânimo.
A libido está pendurada num cabide
e tem os forros cheios de bolas de naftalina
para sobreviver à oxidação do desejo.
In Maçã de Adão
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.Gastámos tudo menos o silêncio. (…)
P.S. Você, que é ele ou ela, vá acabar de ler o poema.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
A espuma dos dias
quinta-feira, 1 de julho de 2010
reviver o passado em ourique
Ao fim da tarde, enquanto o sol esmorecia, eles irrompiam da madrugada da memória. Eram searas de saudade à espera que a meiga foice dos sorrisos as viessem ceifar e na terra plana dos corações mais não houvesse que uma felicidade absolutamente transparente.
Ao princípio daquela noite havia um alvor de lua emocionada crescendo nos peitos. E todos, uns nómadas, outros sedentários, estavam sedentos de juntar o passado ao presente. Para perceber como chegaram até ali tantos anos depois.
Ao crepúsculo havia uma aurora de abraços e carinhos e rugas bonitas e cabelos brancos que brincavam na noite como meninos.
Havia anos que não se viam. Alguns tinham abalado e levado tudo com eles. Uns levaram o corpo, outros a família, uns tantos a necessidade, quase todos os sonhos. Mas não levaram as raízes, o calor do ninho, a matriz da cal. Outros que só cá tinham estado um, dois anos, haviam partido ébrios de paixão por este lugar onde as planícies vêm abraçar as serras.
A vida é um fado que demora, que se enleia na tristeza dos dias, é uma coisa que se adia, que nos vai afastando da essência da nossa identidade. Mas, por mais que tentemos negar, há uma evidência incontornável e simples: o ser humano precisa essencialmente de ternura, de um sorriso, de compreensão, de pertença.
Voltaram agora ao sítio onde foram felizes. Chegaram dos labirintos da existência, atravessaram abismos, experimentaram caminhos. Diferentes por fora. Mais gordos, mais carecas, mais velhos, mais grisalhos, mais cansados. Mas felizes. Às vezes, o futuro é o passado. As vozes eram muitas e vibrantes porque os corações estavam perto das bocas e os olhos brilhantes eram o dobro das vozes e cada olhar tinha dois corações unidos pelo sorriso.
Foi terna a noite. Não há muitas situações na vida que emocionalmente superem o reencontro de amigos sentados a uma mesa comendo emoções e bebendo das palavras uns dos outros.
No lusco-fusco havia uma claridade absoluta nas almas que vieram voar neste céu como se fossem pássaros que regressam felizes às primaveras das suas vidas.
Sábado, 19 de Junho de 2010. Primeiro Encontro de Antigos Alunos, Professores e Funcionários do Agrupamento Vertical de Ourique.
Nós somos o que fomos.
in Correioalentejo, 25 de Junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
terça-feira, 8 de junho de 2010
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Poemas
os poemas são garrafas de soro
pingando
até a pessoa recuperar
os sentidos.
terça-feira, 1 de junho de 2010
domingo, 9 de maio de 2010
quinta-feira, 22 de abril de 2010
A espuma dos dias
Que profundidade tem a nossa vida? Ancoramos as nossas decisões no aprumo da verticalidade ou pelo contrário roçamos a superfície da vanglória? Será que somos feitos de substância ou somos apenas embrulhos luzidios? Quantas palavras que valham a pena dizemos nós durante um dia inteiro?
segunda-feira, 19 de abril de 2010
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Fazer de conta
quarta-feira, 7 de abril de 2010
segunda-feira, 5 de abril de 2010
quarta-feira, 31 de março de 2010
terça-feira, 30 de março de 2010
domingo, 28 de março de 2010
Os bichos recebem uma ordem para nascer. É um murmúrio que percorre os torrões, as ribeiras os ninhos. E cada um desentorpece à medida do murmúrio que traz por dentro. De um útero, de um ovo, de um casulo.
A primeira borboleta que cores terá?
terça-feira, 23 de março de 2010
Ler e contar
sexta-feira, 19 de março de 2010
quarta-feira, 17 de março de 2010
livros
domingo, 14 de março de 2010
quarta-feira, 10 de março de 2010
A liberdade sabe a caramelo
quinta-feira, 4 de março de 2010
terça-feira, 2 de março de 2010
Asas de cabedal
Texto publicado no Jornal CorreioAlentejo
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
A amizade
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
A teia
A vida é uma teia.
Voemos então por cima dela.
Abalemos com os pássaros.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
sábado, 13 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Alcançar
Texto publicado no jornal Correioalentejo.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
sombra de penas
rasando o meu entardecer
e sobre o crepúsculo vais deixando
um vestígio de asas libertas,
uma sombra de penas,
um eco de luz castanha.
que te hei-de eu dizer de mim
se os pássaros têm olhos perfeitos
quando voam?