quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O desejo é um fruto
que apetece comer verde
num tempo qualquer.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A ternura dos quarenta

A ternura dos quarenta é um jornal aberto nas palavras
cruzadas que se cruzam na vida
e delas não se encontra o significado
absoluto, apenas sinónimos incapazes de
pôr um ponto final
na indefinição,
é uma gata a dormitar
nos joelhos quebrados,
é um copo de vinho vazio a
enfiar uma rolha nas pálpebras,
é um fogo a arder devagarinho
até que a cinza dê por finda a noite.
O corpo é uma jangada de ossos
que o trouxe até aqui.
O caminho foi como foi.
A viagem foi coisa que ele não comandou,
mas nunca aceitou que a razão
fosse uma âncora que parasse o coração.
Agora atracou em segurança.
Mas se os pássaros que regressam
o levassem de volta, ele ia à procura do princípio
e levaria as algibeiras da alma cheias de desejo
para dar de comer às pombas
que se recusaram a poisar nas suas mãos
vazias de milho.
A hipófise já não é uma hipótese,
é apenas uma cigarra muda.
As hormonas são formigas sem fome
que perderam o carreiro e morrem antes de chegar ao umbigo.
O tempo útil de emoções foi tão curto.
Perderam-se horas
e dias
e anos matutando, matutando,
os egoísmos silvando na noite como cobras frias,
esperando que a mão do outro
viesse,
com dedos de sol,
enxugar a tristeza do rosto,
esperando que os braços do outro
fossem uma ponte
estendida
entre as almofadas
para não morrerem afogados
na fundura do quarto.
E entretanto a traça da idade veio
e roeu as golas do ânimo.
A libido está pendurada num cabide
e tem os forros cheios de bolas de naftalina
para sobreviver à oxidação do desejo.

In Maçã de Adão

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Adeus

Quando eles se conheceram, estava calor e a noite tinha um decote grande que deixava ver as estrelas todas.E estava quente o banco de pedra onde ela, com olhos inquietos de ter chegado agora à vila, se sentava. Agitava-se como se fosse uma pequenina brisa perdida do resto do rebanho do tempo, e os pés, extremidades de carne de uma mini-saia de ganga, eram duas âncoras espetadas no cimento do jardim. Aqueles olhos não eram dali e aquele rosto nunca morara naquelas ruas.Ela era jovem, daquela idade em que o tempo põe os corpos no seu molde e os arredonda e lhes dá uma textura de maçã. E não nos esqueçamos que era Verão e que a noite não conseguia arrefecer o calor que o dia lhe deixara. E ele, fazedor de palavras belas e domador de temperaturas, foi ter com ela e levou-lhe palavras frescas nos lábios. E com elas, quando as disse entre dentes, borrifou-lhe o rosto, o pescoço, os ombros, os joelhos e os olhos estrangeiros. E ela arrepiou-se com aquela mistura espessa de ar e de letras. Eram adjectivos e verbos que ele lhe tinha dito e que voavam já indomáveis no céu do seu coração.Dali a nada, os olhos dele e os olhos dela eram já quatro pássaros castanhos poisados num fio de espanto. Tinham acabado de se conhecer, mas só a vergonha e a esplanada cheia lhes punha algemas nas mãos, açaimes nos lábios e nas línguas. Nenhum deles tinha sentido nada assim. As suas peles só tinham sido objecto de carícias da família, beijos de aniversário, de boa noite, de até amanhã, de despedida, nunca de desejo, nunca abaixo do queixo. Mas agora nascia ali um incontrolável apetite vertical de saliva e suor. Para quem não sabe, estas coisas acontecem assim de repente, na noite, por causa de uma aliança entre o brilho da lua e o silêncio das osgas.Assim viveram durante anos, achando alimento no estarem juntos, lembrando o passado nas linhas da testa, vivendo o presente na água das bocas, preparando o futuro na fundura dos olhos. As noites eram empecilhos, necessidades parvas de dormir inventadas por quem não sabe o que é estar apaixonado. A escola um desperdício de horas passadas a conhecer nada quando já se tem tudo. Os dois eram um par de pleonasmos, um casal de redundâncias. Se um dava um ai, logo o outro fazia eco.Respiravam-se um ao outro, pois senão morriam.Mas um dia, um deles, não se sabe se terá sido ela ou se terá sido ele, deixou cair o olhar para o chão porque descobriu que a paixão era apenas um urso de peluche que dormia aconchegado entre quatro lábios. E ele, ou ela, não sabemos, aflito, quis apanhar o olhar e o peluche com as mãos, mas o outro já não deixou. Já não era capaz de mais. Estavam moídos, moribundos. A paixão matara-os para o mundo. Cada um tinha-se tornado o espelho do outro e o espelho partira-se com tanto beijo e tanta obsessão.Um destes dias, um deles, não digo se foi ele ou ela, levava o poema “Adeus” de Eugénio de Andrade debaixo do braço.
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.Gastámos tudo menos o silêncio. (…)
P.S. Você, que é ele ou ela, vá acabar de ler o poema.